A forma única e complexa com que John Ford tratava a concepção de seus personagens seja talvez o que tenha feito seu nome tão grande e alvo do culto de inúmeros amantes do cinema, mais notavelmente as gerações seguintes de cineastas que vão desde Orson Welles, passando por Martin Scorsese e indo até os dias de hoje. Temos a maior prova disso em Tempos das Diligências que, além de tudo, também sentenciou o renascimento do gênero faroeste, que apenas se preparava para atingir seu auge justamente nas mãos desse fantástico diretor. De quebra, ainda temos a revelação do talvez maior astro desse gênero de todos os tempos: o ator John Wayne.
O filme é um clássico inquestionável. As experimentações visuais feitas por Ford viriam marcar e consolidar um novo método de filmar. O exessivo uso de locações externas, as tomadas em longa distância e em profundidade, a demonstração da fragilidade de um grupo de pessoas em meio a uma paisagem extensa, tudo isso são algumas das técnicas popularizadas em Tempo das Diligências. Isso sem contar o estratégico uso da iluminação, em que o preto-e-branco garante drama, nostalgia, beleza ou qualquer outra atribuição na medida certa. Marcas registradas de Ford, aparecendo inclusive em várias outras obras sua como O Homem que Matou o Facínora (1962) e Rastros do Ódio (1956).
Quando nove diferentes personalidades são colocadas em uma diligência rumo à uma perigosa jornada, seus defeitos e principalmente suas qualidades são postas em perspectiva, e agora, todos devem encarar suas diferenças e superá-las. Chama a atenção a profundiade encontrada em cada uma dessas nove pessoas.
Em primeiro lugar, somos introduzidos ao forte conservadorismo existente na sociedade americana sob a visão do diretor John Ford. O controverso médico Doc Boone, incrívelmente interpretado pelo ator Thomas Mitchell, é escorraçado da cidade por ser um bêbado pelas ''damas da lei e da ordem''. Junto com ele está Dallas (Claire Trevor), acusada, nas entrelinhas, de indecência. O identificação que um tem com o outro vai muito além do afeto mútuo quase familiar demonstrado durante a jornada: não aceitos pela sociedade por não terem o comportamento moral exigido seguido à risca, não deixam de mostrar seu valor e seu próprio senso de bondade. E tal bondade atinge em cheio o conservadorismo da determinada Sr. Mallory (Louise Platt) que, mesmo convencida ao fim, reconhece que o resto do mundo ainda não pensa como ela.
Talvez a personalidade mais difíci de se classificar seja o enigmático Hatfield de um incrível John Carradine. Apesar de ser um jogador, é bastante fiel em suas crenças. É determinado em seguir o que parece ser uma moral própria, aqui representada por um desejo em proteger a Sr. Mallory. Tudo isso é confirmado quando, ao ver a iminente vitória dos índios pela janela, deseja usar sua última bala para poupa-la do sofrimento e da humilhação.
Mas o maior destaque vai mesmo para o astro principal, John Wayne. Viria a pintar o modelo de personagem que seguiria em seus outros faroestes: um homem rude e simples, valente e rápido no gatilho, mas com um senso de heroísmo inegável. E apesar do que pode parecer, Ringo Kid não é um simples estereótipo, não é um herói comum. Ele é um prisioneiro fugitivo que apenas deseja vingar sua familia, mas acaba se apaixonando por uma prostituta e indo até as últimas consequências junto dela.
Ainda temos um xerife destemido e boa-gente, Curly, o corpulento e cômico condutor, Buck, um vendedor de whisky moralista, Peacock, e um banqueiro que foge com o dinheiro de seus clientes, Gatewood.
A todo momento o grupo é desafiado pela ameaça dos índios. Para a minha própria surpresa, eles não são os vilões e não tem seu valores questionados, apenas representam um perigo regional necessário como se representassem animais. E temos em seu ataque à diligência uma incrivelmente filmada sequência de ação, que é tão empolgante quanto realista. Definitivamente, o melhor momento do filme.
Ao estabelecer uma verdadeira fundação para o gênero com esta realização, Ford nos trouxe muito mais que um faroeste ou road-movie. Podendo ser apreciado pelos mais diversos pontos de vista, não deixa de lado os divertidos elementos do clássico bangue-bangue. Irá se surpreender aquele que espera encontrar um filme cheio de clichês: da construção de seus personagens centrais ao duelo final, o tratamendo dado pelo diretor é diferenciado. Um verdadeiro clássico, sobretudo por marcar o início de uma das maiores e mais profílicas colaborações ator-diretor de todos os tempos, a tão famosa parceria Wayne-Ford. É uma experiência obrigatória para qualquer fã de cinema.
Diretor: John Ford
Elenco: Claire Trevor, John Wayne, Andy Devine, Thomas Mitchell, George Bancroft, John Carradine.
Produção: John Ford, Walter Wanger.
Roteiro: Dudley Nichols
Fotografia: Bert Glennon
Trilha Sonora: Max Steiner, Gerard Carbonara, Louis Gruenberg, Richard Hageman, W. Franke Harling, John Leipol
Duração: 100 min.
Ano: 1939
País: USA
Gênero: Western
Cor: Preto e Branco
Distribuidora: Não definida
Estúdio: United Artists
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